Ferro, bilhões e decepção

A valorização do minério de ferro no mercado internacional atraiu investidores do mundo inteiro ao Brasil – que, passada a euforia, podem ficar com micos nas mãos

Por Samantha Lima

Uma das maiores estrelas do período de exuberância econômica que acaba de ficar para trás, o minério de ferro brasileiro ameaça se transformar num mico. A alta acumulada de mais de 380% no minério desde 2003, que ajudou a transformar a Vale de estatal combalida em multinacional poderosa, atraiu para o setor gente que nunca havia pisado numa mina. No Brasil, grupos ingleses, chineses, coreanos e indianos investiram cerca de 15 bilhões de dólares em projetos que muitas vezes não passavam de um calhamaço de papel cheio de números e projeções. Até mesmo gigantes da indústria siderúrgica decidiram comprar minas, acreditando que os altos preços davam à produção do próprio minério sentido econômico. Feita com base na suposição de que a demanda pelo minério continuaria alta pelo menos até 2011, boa parte desses investimentos já dava sinais, nos últimos meses, de que não era mais do que o resultado de uma boa propaganda. Com o agravamento da crise, os investidores finalmente perceberam que haviam comprado ferro de baixa qualidade a preço de ouro.

O epicentro da recente derrocada nos projetos de mineração é a região de Serra Azul, no entorno de Belo Horizonte. Desde o início do ano, as minas da região receberam propostas bilionárias, apesar de fornecerem um minério considerado de segunda linha – além disso, há também notórias dificuldades no transporte da matéria-prima até os portos. O motivo da empolgação, claro, era a perspectiva de crescimento na demanda e de um aumento de mais de 50% no preço do minério, que justificava os pesados investimentos em logística necessários. Mas, com a crise, as siderúrgicas do mundo todo cortaram a produção em até 30%, e passou a haver uma grande probabilidade de queda de preços do minério. Assim, inverteu-se a equação de custo-benefício. O empresário Eike Batista é o melhor exemplo tanto da euforia quanto da atual depressão. Em janeiro de 2008, ele vendeu o controle de um de seus projetos, a MMX, à Anglo American, faturando sozinho 3,3 bilhões de dólares (em dezembro, a Anglo anunciou que vai adiar por um ano os projetos de exploração). Na fila de empreendimentos que Eike ainda planejava passar adiante, porém, estavam três mineradoras menores, a AVG, a Minerminas e a Bom Sucesso, todas na região de Serra Azul. O empresário desembolsou 550 milhões de dólares pelas minas em 2008. Desta vez, no entanto, compradores potenciais, como as siderúrgicas Tata Steel, ArcelorMittal e Mitsubishi, rejeitaram o negócio, e Eike está sendo obrigado a colocá-las a plena produção sozinho.

O empresário carioca enfrenta, ainda, um risco conhecido por aqueles que investiram recentemente na região do Quadrilátero Ferrífero mineiro – as reservas vendidas eram maiores do que a realidade demonstrou. A siderúrgica Usiminas comprou em 2008 a J. Mendes por 1,8 bilhão de dólares. A mina foi vendida como oportunidade única, mas o início das pesquisas tem dado aos compradores motivos para decepção. Segundo executivos ouvidos por EXAME, as reservas são muito menores que os 3 bilhões de toneladas estimados inicialmente. "O que as sondagens iniciais mostram é que a quantidade é um pouco abaixo do previsto, mas a qualidade é um pouco melhor", diz Paulo Penido Pinto Marques, diretor financeiro e de relações com investidores da Usiminas. "E o pagamento dos 800 milhões de dólares vai depender da comprovação das estimativas." Acontece fenômeno idêntico com a ArcelorMittal, que comprou a London Mining por 810 milhões de dólares. Tanto Usiminas como ArcelorMittal estenderam os prazos de ampliação dos projetos, esperando ter uma definição do potencial das minas. A crise mundial piorou um cenário que já não era bom. Em Corumbá, na mina da MMX que já está em operação, a produção foi interrompida no início de novembro e investimentos de 200 milhões de reais foram suspensos. "Vamos reavaliar o retorno em janeiro. Vai depender do mercado", diz Chequer Habib, diretor de relações com investidores da MMX.

Claro, onde há compradores insatisfeitos, há vendedores exultantes. Famílias tradicionais do Quadrilátero Ferrífero fizeram fortunas vendendo suas minas a grandes grupos. O maior destaque dessa onda foi o empresário José Mendes Nogueira, da J. Mendes, mais conhecido como Zé Nogueira. Ele e seus cinco filhos embolsarão o 1,8 bilhão de dólares a ser pago pela Usiminas. Um dos últimos a lucrar com a corrida pelas minas brasileiras foi Benjamin Steinbruch, o maior acionista da siderúrgica CSN. Em outubro, ele fechou a venda de 40% da Namisa para um consórcio de companhias japonesas por 3,2 bilhões de dólares. Os negócios bilionários protagonizados por empresários desconhecidos, como Zé Nogueira, deram origem a uma corrida por negócios de mineração no Brasil – todos querendo vender projetos para investidores entusiasmados. A crise, porém, pegou esse pessoal no contrapé. Um dos projetos mais ambiciosos era o da GME4, empresa do Opportunity do banqueiro Daniel Dantas em sociedade com o geólogo baiano João Carlos Cavalcante, conhecido como JC. Dantas e seu sócio aplicaram 40 milhões de dólares na empreitada, uma espécie de banco de projetos de mineração espalhados pelo Brasil. A idéia era aproveitar a experiência de JC e de um grupo de 70 geólogos para encontrar boas minas, estimar suas reservas, fazer um projeto e vender no mercado. Em 2008, a empresa contratou o banco de investimento Credit Suisse para oferecer o projeto a investidores pelo mundo. Com a crise, as reuniões com investidores cessaram, e o ânimo arrefeceu. "Estamos escolhendo os locais de perfuração de forma mais criteriosa para reduzir os custos e vamos dobrar para seis meses o programa exploratório", diz JC.

Não deixa de ser irônico que a sobrevivência desses projetos mais novos dependa, em boa medida, do presidente da Vale, Roger Agnelli. Pouco satisfeito com o surgimento de concorrentes, Agnelli passou os últimos meses criticando os altos valores atingidos pelas minas no Brasil. O presidente da Vale iniciou há duas semanas uma série de visitas a siderúrgicas chinesas para negociar o preço do minério de ferro para 2009. Os chineses acumulam estoques de pelo menos 70 milhões de toneladas de minério de ferro, o equivalente a dois meses e meio de produção da Vale, e reduziram as encomendas a cerca de 10% do previsto em dezembro. A meta dos chineses é diminuir os preços do minério em 82%. "Se a Vale conseguir segurar a queda no preço a uns 30%, terá feito um ótimo negócio", diz um executivo próximo à empresa. No caso da Vale, essa queda ainda é possível porque a empresa tem um custo de produção e entrega próximo dos 18 dólares por tonelada. O preço de seu minério está em 78 dólares por tonelada, e portanto a empresa tem ainda muita margem para ceder. O mesmo não pode ser dito dos projetos que surgiram nos primeiros meses de 2008. Em muitos casos, a única salvação possível para essas empreitadas é torcer para que a Vale consiga manter os preços no patamar em que estão hoje.

Fonte: Portal Exame

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