A primeira fratura

Movimentação de Gondwana quase transformou o Nordeste brasileiro em parte da África


© Nasa / Corbis / Glowimages
 

Por pouco, uma boa porção do que hoje é o Nordeste brasileiro não se tornou parte da África durante a movimentação dos grandes blocos rochosos que formam os continentes, a chamada deriva continental.

A hipótese de que o Nordeste pudesse ter se partido surgiu nos anos 1960 e ganhou agora o reforço de evidências obtidas por pesquisadores da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) e da Universidade de Brasília (UnB).

Nesse cenário, que chegou a ser geologicamente esboçado, mas acabou interrompido por razões ainda não totalmente compreendidas, a América do Sul teria uma área bem menor, e o continente africano uma forma que lembraria mais um triângulo do que o atual “L” de cabeça para baixo. “O Carnaval de Salvador teria de ser brincado do outro lado do oceano”, comenta David Lopes de Castro, geofísico da UFRN e um dos quatro autores do estudo.

A pesquisa, publicada no Journal of Geodynamics, retrata a evolução da chamada bacia Potiguar, formação localizada na costa do Ceará e do Rio Grande do Norte, a última parte da América do Sul a se desprender da África.

Como se sabe, ao longo do tempo geológico, os continentes estão numa dança constante, ora se juntando, ora se afastando, em razão da dinâmica das placas tectônicas. Essas placas rígidas, de até 100 quilômetros de espessura, deslizam vagarosamente carregando consigo o que há em cima delas, como se fossem imensas balsas navegando sobre o interior pastoso da Terra.

Cerca de meio bilhão de anos atrás, África, América do Sul, Austrália, península Arábica, Índia e Antártida estavam reunidas num supercontinente que os geólogos batizaram de Gondwana.

“Na região que hoje é o noroeste africano e o nordeste sul-americano havia uma cadeia de montanhas, não muito diferente dos Andes”, diz Francisco Hilário Bezerra, coautor da pesquisa, também da UFRN.

A região era instável, como seria de esperar de um pedaço de terra em via de se dividir em dois. A separação completa entre América do Sul e África aconteceu cerca de 100 milhões de anos atrás. O racha deu origem à bacia Potiguar, do lado sul-americano, e à bacia Benue, do lado africano. No meio, nasceu o oceano Atlântico.

Decifrando a divisão
O que o grupo brasileiro se propôs a fazer foi buscar as peças do quebra-cabeça dos dois lados do oceano, a fim de descrever principalmente as características geológicas do lado de cá.

Os pesquisadores trabalharam com dados gravimétricos e magnetométricos. Apesar dos nomes complicados, são técnicas que se baseiam em conceitos simples. O primeiro diz respeito a variações no campo gravitacional da Terra, o segundo, no campo magnético.

Pode parecer estranho, mas a massa terrestre – responsável pelo campo gravitacional – não está igualmente distribuída em todo o globo. Por conta disso, há flutuações regionais e, analisando-as, os geofísicos conseguem calcular o que há por baixo do solo.

A mesma coisa se dá com relação ao campo magnético. Dependendo da composição das rochas sob o solo, ele aparece com maior ou menor intensidade. “Depende da intensidade de magnetização de cada rocha”, explica David Castro.

“As rochas sedimentares que formam a bacia Potiguar têm campo magnético de baixa intensidade e isso gera o contraste com as rochas do embasamento”, conta.

Os dados brutos, em sua maioria, não foram coletados pelos próprios cientistas. Do lado brasileiro, muitas das informações vieram de levantamentos pregressos feitos pela Petrobras e repassados aos pesquisadores pela Agência Nacional do Petróleo (ANP).

Já do lado africano, as informações vieram de bancos de dados internacionais de acesso livre. Ainda assim, o grupo precisou coletar alguns dados gravimétricos. O esforço consistiu em levar um gravímetro – dispositivo um pouco maior que um computador convencional – pelas estradas do Rio Grande do Norte e do Ceará e fazer medições em diversos pontos das viagens. “Nós o colocamos no chão, fazemos a medida e seguimos em frente”, diz Castro.

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Fonte: Revista Fapesp

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